quinta-feira, 6 de outubro de 2011

“Jornalistas são os cães de guarda da democracia”

Por Paulo Lima -Jornalista
Tóquio proibida – uma viagem perigosa pelo submundo japonês, de Jake Adelstein, Companhia das Letras, São Paulo, 2011; R$ 53
“Ou você apaga essa matéria ou apagamos você.” Esta foi a sentença que o jornalista americano Jake Adelstein ouviu de um testa de ferro da Yakuza, a temida máfia japonesa. A razão para a ameaça era uma reportagem que Jake estava escrevendo sobre Tadamasa Goto, o chefe da Yamaguchi-gumi, uma das três grandes facções da Yakuza. Durante uma conversa com um mafioso, Jake ouviu, por acaso, que Tadamasa Goto, o Goto-gumi, havia sofrido um transplante de fígado nos Estados Unidos. Como um mafioso desse porte conseguira entrar no país, furar a fila do transplante, ser bem-sucedido na cirurgia e voltar saudável ao Japão?
Jake se deu conta de que tinha um furo e foi atrás. Descobriu que o Goto-gumi vendera ao FBI segredos da Yamaguchi-gumi, com a delação de outros membros da organização, em troca da entrada nos Estados Unidos. Goto-gumi também tinha relações com a Coreia do Norte, fato que interessou aos americanos.
Esta é apenas uma das histórias que Jake Adelstein, 42 anos, conta em seu livro Tóquio proibida – uma viagem perigosa pelo submundo japonês (Companhia das Letras), que acaba de ser lançado no Brasil. O título da edição brasileira é bem adequado às múltiplas peripécias que Jake viveu no império do Sol Nascente.
Em 1992, Jake era apenas um estudante da Universidade Sofia, em Tóquio, mais um americano vivendo de aulas de inglês e outros bicos, entre eles massagem sueca para japonesas ricas. Um dia se viu desempregado e cismou que ia trabalhar como jornalista. Em pleno Japão. Procurou aprimorar o japonês e concorreu a uma vaga no Yomiuri Shimbun, um dos mais prestigiados jornais do país. Conquistou a vaga e, como todo bom foca, foi designado para trabalhar na editoria geral, recebendo broncas e eventuais elogios dos repórteres mais experientes. Não tardou e Jake estava cada vez mais se embrenhando numa realidade que nem sonhava existir – o perigoso submundo do sexo, do crime e da contravenção, o território por excelência da Yakuza e de suas facções criminosas.
Experiências dramáticas
O ápice de sua experiência foi o destacamento para trabalhar na divisão de costumes do jornal, em Tóquio, quando Jake passou a ter contato direto com Kabukicho, zona barra pesada da capital japonesa. “Em matéria de áreas de entretenimento, em 1999 nenhuma ganhava de Kabukicho em sordidez”, escreveu ele. “Drogas, prostituição, escravidão sexual, bares de preços extorsivos, casas de garotas de programa, salões de massagem, salões sadomasoquistas, mais de cem facções da Yakuza, máfia chinesa...”
Para um gaijin, entrar em espaços restritos a japoneses representava situações de alto risco, mas Jake não se intimidava. Em seus contatos com a polícia, acabou se aproximando de fontes importantes para o seu trabalho, tornando-se amigo de algumas delas, como o policial Seikiguchi, que acabou se tornando seu amigo e mentor.
A experiência de Jake Adelstein como repórter do Yomiuri Shimbun durou 12 anos. Casou-se com uma japonesa e teve filhos. As extenuantes jornadas como repórter e a batalha contra o Goto-gumi, que acabou tirando o mafioso de circulação, cobraram um alto preço a Jake. “Segundo um médico, sofro de distúrbio de estresse pós-traumático e não consigo dormir bem à noite, se é que consigo dormir”, revelou nesta entrevista concedida por e-mail.
Vivendo de dois a três terços de cada mês no Japão, Jake diz que ainda não se sente completamente seguro quando vai ao Japão, mesmo sabendo que Tadamasa Goto está fora de circulação, tendo-se transformado num praticante do budismo.
Apesar das experiências dramáticas que viveu como repórter – numa delas, perdeu uma fonte e amiga, a inglesa Lucie Blackman, morta enquanto trabalhava em Tóquio como acompanhante – e de ter sentido na pele o poder da Yakuza, Jake mantém o otimismo: “O crime organizado está perdendo a batalha.” Para ele, o jornalista tem um dever cívico perante a sociedade. “Somos os cães de guarda da democracia”, escreveu ele de Tóquio, onde está no momento fazendo pesquisas para seu segundo livro. Lá escreveu também uma matéria sobre o envolvimento de Shimada Shinsuke, uma celebridade da TV japonesa, com a Yakuza. Shimada Shinsuke acabou se demitindo depois do escândalo. A matéria pode ser lida no site Japan subculture, do qual Jake é editor-assistente.