A exclusão social como formadora do preço de mercadorias e serviços de luxo
Entre os elementos que influenciam na determinação dos preços das mercadorias, pode-se encontrar uma variedade tão grande quanto são os economistas que pensaram a respeito do assunto.
A oferta, a demanda, o custo da produção, a quantidade de trabalho empregado, o valor de uso, o valor de troca… Enfim, é uma miríade total. De certo modo, todos esses elementos encontram-se de algum modo vinculados ao sistema de mercado, que determina como as mercadorias são produzidas e distribuídas e como a riqueza circula na sociedade.
Existe, entretanto, um elemento, por assim dizer, anímico, psíquico, que é um componente forte do preço de uma série de mercadorias, em especial aquelas mercadorias de luxo. Antes de precisar que elemento é esse e como ele influencia a formação dos preços, é preciso definir o que se entende por mercdoria no presente texto.
Mercadoria, grosso modo, não é nada mais nada menos do que tudo aquilo que é produzido e colocado à venda no mercado, num sistema de mercado, no capitalismo. Só é possível falar em “mercadoria” no “sistema de mercado”, entendido este último como um meio de se organizar a sociedade baseado na busca do lucro como finalidade última da vida.
No conceito de mercadoria entra tudo o que pode ser trocado no mercado por dinheiro. Assim, esse conceito não se resume a determinados bens corpóreos, tangíveis, palpáveis, mas também a bens incorpóreos, aos serviços em geral, às criações intelectuais e à propriedade imaterial. Basta que o bem possa ser trocado, cambiado por dinheiro, para poder ser considerado mercadoria.
Feita essa breve digressão, voltamos ao início, quando afirmamos que existe um elemento anímico, psíquico mesmo, que contribui para a formação do preço de certas mercadorias.
Um exemplo simples: por que determinados artigos de luxo, como uma bolsa da marca Louis Vuitton, pode atingir R$ 15.000,00 (quinze mil reais)? A quantidade de trabalho empregada na sua produção é superior à quantidade de trabalho empregada na produção do mesmo artigo (bolsa) produzido com os mesmos materiais em outra fábrica, mas que não carregue consigo a marca ou o selo da autenticidade? Alguns economistas poderiam argumentar que a marca possui um trabalho acumulado que se reflete na formação do preço da bolsa, ou que a marca também é um elemento que agrega valor, mas essas não são as únicas explicações possíveis.
Um exemplo mais trivial: há restaurantes cujo preço do prato valem pelo menos cem vezes mais do que a matéria-prima nele empregada e mesmo o sabor é de gosto duvidoso para a maioria dos consumidores comuns.
O que está em jogo, então? Como essas mercadorias conseguem continuar a vender se outras podem concorrer no mercado com elas a um preço que muitas vezes é inferior a um décimo da cobrada pela primeira? A lei do mercado não me diz que a tendência natural é que outros concorrentes ingressem no setor para produzir a mesma mercadoria e auferir lucros, aumentando a oferta até os preços serem reequilibrados? Aqueles que podem pagar por elas simplesmente adquiriram um gosto diferente dos demais, a ponto de só satisfazerem suas necessidades com elas?
Creio que a resposta encontra-se justamente no elemento psíquico de que falei antes. E esse é exatamente a intenção de exclusivismo. Exclusivismo, como o próprio nome já diz, é algo que exclui os demais, que impõe restrições de acesso aos outros.
O desequilíbrio de tais preços se deve justamente ao fato de que uma parcela significativa dos ricos gera a demanda por essas mercadorias porque quer ser identificado como pertencente a uma classe social que é diferente das demais (que não podem ter acesso às mesmas mercadorias). Esse mecanismo está na base do sistema capitalista, que estimula os comportamentos de disputa entre os indivíduos na sociedade (ter mais lucro, ser o melhor, o mais rico).
Obviamente que quando eu posso comprar uma mercadoria mais cara e o faço, em vez de uma de mesma qualidade mais barata - numa aparente contradição com as leis do mercado, que afirmam que os indivíduos estão sempre em busca de mercadorias de mesma qualidade mais baratas, pois isso traz mais lucro - isso tem um significado, uma semiótica social que se ajusta perfeitamente ao sistema capitalista. No fundo, estou satisfazendo a minha intenção de ser o mais rico, pois a principal coisa que diferencia um estrato social de outro na sociedade capitalista é o seu poder de compra. E quanto mais distorcidamente alto o preço da mercadoria pela qual pago, isso significa que tanto mais rico sou, já que menos pessoas poderiam pagar para ter a mesma mercadoria. É para ficar simbolicamente distante dos pobres que se compram mercadorias de altíssimo luxo, já que qualquer outra motivação não se encontra equadrada no sistema de mercado.
Esse mecanismo, assim, inverte a lei do mercado. Os produtos e serviços de luxo não obedecem, portanto à mesma lógca de fixação dos preços das demais mercadorias, pois o seu valor é predominantemente determinado pelo simbolismo que traz em si, porque consumir tais produtos significa que se é mais rico do que os demais.
Diante disso, agora vem a conclusão perversa: a exclusão social passa a ser vista como um elemento determinante do preço de certas mercadorias e serviços de luxo. Quanto mais pessoas excluídas do consumo daquela mercadoria (daí a expressão “exclusivo” muito utilizada no marketing comercial), mais os ricos estão dispostos a pagar por elas. Quanto mais alto o seu preço, mais exclusão haverá. E, com o costume, esse comportamento em princípio anti-econômico incorpora-se como hábito cultural dos indivíduos da classe alta da sociedade.